quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Meu primeiro amor

Final da década de 90. Fazia apenas um ano ou dois que eu tinha me tornado parte da noite GLS. Já havia me envolvido com algumas garotas, mas a palavra amor ainda estava distante do meu vocabulário. Naquela época, a minha turma, assim como o pessoal mais descolado da noite gay paulistana, freqüentava sempre a mesma balada da moda. Era o auge das Drag Queens e Gogo boys.

Os gogo boys andavam muito bem acompanhados. Um deles tinha uma namorada que sempre ia vê-lo dançar e curtia a balada do começo ao fim, até a hora de ir embora com ele. Ela era muito sexy, loira, cabelo na cintura, estava sempre sorrindo. Eu gastava pelo menos uma hora da minha noite vendo a loira dançar e isso fez parte da minha rotina durante meses. Até que um dia eu me dei conta que a balada só era legal se eu a visse.   

Eu não perdia um movimento, sabia tudo o que ela fazia durante a noite, e obviamente, notei quando ela e o musculoso terminaram o namoro. Apesar disso, a loira continuou freqüentando a casa. Mesmo morrendo de vontade de conhecê-la, eu era muito tímida para chegar e tomar uma iniciativa. Muito tempo se passou até que a minha melhor amiga, de saco cheio daquela situação, resolveu ir falar com a loira. Tentei ir atrás para impedi-la, mas não deu tempo. Só me restou ficar vermelha, roxa, e sem graça diante das duas. Nesse dia ficamos um tempão conversando sobre como era a relação entre duas mulheres, ela tinha muita curiosidade. A partir daí nós passamos a conversar direto, viramos colegas de balada.

Mais alguns meses e eu já estava completamente apaixonada, venci a timidez e me declarei. Ela não disse que sim nem que não, apenas que gostava de homem. Para qualquer pessoa isso bastaria para cair fora, mas depois de tanto tempo tentando eu resolvi insistir. Ariana que sou, acabei vencendo pelo cansaço.

Nosso primeiro “tudo” (beijo+sexo) foi maravilhoso. Eu tinha viajado para o Guarujá com um casal de amigos. Após muita conversa por telefone, ela decidiu nos encontrar. Ao chegar ao apartamento, os meninos se ligaram no clima e foram para o quarto. Ficaram as duas sozinhas na sala. Vale ressaltar que eu me encaixo no perfil “canastrona”, não fazia a mínima ideia de como deveria agir naquela situação. Acho que ela percebeu e pediu que eu me sentasse em seu colo (de frente para ela). Para a minha surpresa, quando eu sentei, ela me pegou pela cintura e me carregou até a cama. Depois disso, dá para imaginar o que aconteceu. Acho que foi uma das melhores transas da minha vida, porque não existe sexo melhor do que aquele feito com a pessoa que você está enlouquecida de paixão.

E elas foram felizes para sempre, certo? Errado! Teria sido assim se isso fosse uma história da Disney e não um relato lésbico. 

Eu estava cada vez mais apaixonada, e quem está apaixonada quer a pessoa cada vez mais próxima. Por outro lado, ela estava cada vez mais confusa, e quem está confuso quer o outro cada vez mais longe. Os meus dias só tinham dois estágios: paraíso e inferno.

Os poucos momentos em que ela se entregava eram divinos. Mas na maioria deles a gente brigava feito cão e gato. Querendo se livrar daquilo que estava sentindo por outra mulher, a loira procurava ficar com o maior número possível de homens, e algumas vezes ela fazia isso perto de mim. Eu sofria demais e amava demais. Foi com ela que eu descobri o significado da palavra “ciúmes” e a me transformar em um monstro quando ele toma conta da minha mente. A minha vida era consumida por aquela menina e eu fazia tudo por ela.

Também foi com ela que eu aprendi (quase) tudo sobre o amor. Eu costumava fazer duas coisas que hoje sinto pânico só em pensar: me declarar em voz alta (hoje só por escrito) e comprar presentes (se compro, hoje me arrependo em seguida), ela ganhava pelo menos dois buquês de flores por semana. Teve uma época que eu vendia as minhas coisas (Cds, livros, e o que via pela frente) para poder ter dinheiro para comprar mimos. Ela era o meu vício.

Uma vez eu quis inovar no presente e peguei emprestado o avental do entregador na floricultura, decidi que eu mesma faria a entrega. Atravessei São Paulo de ônibus e metro com um vaso enorme nos braços só para poder ver a reação dela. Foi lindo! A loira ficou muito surpresa e emocionada, não esperava me ver, muito menos daquele jeito. Foi a coisa mais romântica que fiz até hoje por alguém.

Só que as brigas nunca cessaram e foram se tornando cada vez mais violentas. Eu a ofendia com palavras e ela me destruía com atitudes. E quase dois anos depois, o que era inevitável chegou ao fim de tudo. Era de madrugada e estávamos com o carro estacionado perto do meu prédio. Ela no motorista, fria, eu no carona, com a cabeça encostada no painel e com o coração dilacerado, dizendo baixinho repetidamente e aos prantos “mas eu amo você...”, inutilmente.

Nós ficávamos sem nos falar por alguns meses e depois retomávamos o contato como amigas. De vez em quando a gente ficava, mas com uma distância que ambas sabiam ser necessária. Sem expectativas. Finalmente eu havia desistido. E essas recaídas aconteceram durante anos, nos envolvíamos com outras pessoas, mas sempre rolava um remember. Até que parou naturalmente e viramos grandes amigas (até hoje).

Um dia, em uma balada, eu estava curtindo uma grande fossa por causa da minha ex-namorada da época. Em um determinado momento eu perguntei à loira “você já sentiu que perdeu a única pessoa que realmente te amou de verdade?”, me referindo a minha ex, e ela respondeu olhando nos meus olhos “JÁ, VOCÊ”, se referindo a mim. Fiquei desconcertada, não esperava aquela resposta.

Foi com a loira que também eu descobri que o amor é um grande desencontro na maioria das vezes. Não me senti vingada e nem “por cima” quando soube que no fundo ela também tinha me amado e por sinal, ainda me amava. Me senti mal, porque depois de passar tantos anos dando o que eu tinha de melhor dentro de mim, depois de tanto acreditar em nós duas e de tanto insistir, ela só soube dar valor quando as flores finalmente secaram...dentro e fora de mim. 

2 comentários:

  1. Mel, entendo perfeitamente tudo que escreveu e, como boa Ariana que sou tb não tenho desistido da luta, mas uma hora a gente cansa. Adorei o texto, parabéns.
    Beijo

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  2. adorei o texto! linda a historia, linda mesmo! =)

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